O projeto colonizatório atualizado pela racionalidade neoliberal na Amazônia

Michel Carlos da Silva

A racionalidade neoliberal carrega em seu eixo a lógica do capital que se plasma na realidade como ação predatória. É essa ação que ceifa vidas como, por exemplo, a Samarco em Mariana-MG; a Vale na cidade de Brumadinho-MG e o Agronegócio na região Norte.

É importante classificar o neoliberalismo para além da ideologia ou política econômica e inscrevê-lo como uma nova forma de racionalizar o mundo como diz Pierre Dardot e Christian Laval em A Nova Razão do Mundo[1]. Identificar a razão do capitalismo contemporâneo é entender a dominação e exploração como forma de governar as ações humanas e institucionais.

A história da colonização no Brasil, de forma mais específica na Amazônia brasileira remete ao período de intenso massacre da população nativa e que foi transmitida numa narrativa a partir dos dominadores. Assim, as maiores atrocidades são inscritas na história como feitos heroicos de conquistadores que tiveram a grande incumbência de “civilizar”. Porém, por detrás de toda pompa de heroísmo e atos civilizatórios se escondem a esterilização de uma cultura e o extermínio de um povo.

O que é relatado é a história do ponto de vista dos opressores. Ao observar a estrutura criada para contar a história da região Amazônica percebemos que tal estrutura perpassa pelo plano colonizador de dominação. É importante acentuar aqui o termo plano, pois, com o termo plano ou projeto torna-se claro a situação de que não houve um “por acaso” na colonização. É preciso quebrar esse mito e descobrir que por detrás da colonização material existi primeiramente um projeto de controle de um povo que vai além do extermínio físico e se perpetua em um extermínio cultural. A forma mais brutal de supressão de uma população é o proibir de falar sua língua, de cantar seus cantos e de expressar seus credos religiosos.

O projeto colonizatório trouxe um sistema de dominação e pobreza para os povos nativos. Assim, a forma de escravização foi precedida do extermínio cultural, pelo afastamento dos indígenas das suas comunidades.  Alguns autores relatam um processo de descimento dos povos nativos, o descimento consistia no processo de retirar os indígenas de suas aldeias e leva-los como escravos para áreas de trabalho na zona colonial. Traziam povos que moravam em diversos locais da Amazônia com o discurso “civilizatório”. O planejamento colonizatório recrutou vários povos para ser mão-de-obra na empreitada dos colonizadores como diz o historiador Celestino Carreta em A História da Igreja na Amazônia Central:

“O processo “civilizatório” estava dizimando a população local. Os colonos necessitavam de trabalhadores e pressionavam o governo que enviava “Tropas de Resgate” ou ignorava se alguém o fizesse por conta própria. Os caçadores de escravos eram auxiliados por grupos de índios dominados por eles e que iam caçar outros índios para entregá-los como escravos e se verem livres da própria escravidão, ficando, porém, dependentes dos dominadores que voltavam para buscar mais índios. Esses caçadores humanos assaltavam as aldeias, mesmo aquelas das missões, e levavam os índios presos para o trabalho escravo em Belém e no Maranhão”[2].

A escravidão na Amazônia foi organizada dentro desse projeto de extermínio cultural e é importante reafirmar isso, pois, a ideia de “por acaso” faz do crime um acidente na história e retira a culpa dos torturadores. Esse genocídio foi e é sustentado pelo processo de desumanização. Os diversos relatos dos colonizadores sobre os indígenas tratam os povos nativos como pessoas que “viviam nuas”. Essa ideia da nudez expressada em diversos escritos revela a forma de dominação pelo discurso de que os povos indígenas eram “despidos de cultura”, “despidos de humanidade” e assim excluídos do que eles classificavam por humanos. Esse é o cerne da argumentação que formou a imagem do indígena para a sociedade brasileira.

Todo esse projeto de extermínio construído durante vários séculos por escravização dos corpos e a formação de um pensamento genocida, ganha a partir do século XX força com a lógica neoliberal do lucro.

O solo amazônico por diversos períodos da história foi terreno para a escravização de indígenas e migrantes vindos para trabalhar no seringal, durante toda saga da exploração do trabalho na Amazônia podemos perceber que as diversas formas de exploração (trabalho, sexual, ambiental) passam por um processo de racionalidade baseada na lógica do lucro que dentro da realidade amazônica criou elites como os seringalistas no período da borracha e depois da crise da borracha migraram para a extração de madeira.

A racionalidade neoliberal tem a capacidade de atualizar a exploração sob diferentes modos sociais, como por exemplo, o seringueiro que era explorado pelo seringalista, com a crise, terceiriza a terra pelo modo de arrendamento e o seringueiro e o indígena que habitavam esse lugar passam a ser explorados por uma nova forma de acúmulo monetário. Percebe-se que não houve uma ruptura da exploração durante a história dos portugueses aos dias atuais, o que acontece é a sofisticação do projeto de colonização. O plano colonizatório além de exterminar os corpos introduziu na mentalidade brasileira justificativas para o genocídio indígena como, por exemplo: “o índio é preguiçoso”, “é um povo atrasado, por isso é preciso civiliza-los e levar o desenvolvimento”.

Em suma, esses discursos ganham a partir da racionalidade neoliberal uma sofisticação argumentativa e tecnológica de perpetuação do processo de colonização que hoje se dá não pela Coroa Real, mas por multinacionais e o agronegócio sob tutela de um Estado que também é governado a partir de uma racionalidade neoliberal. Um exemplo é o atual governo brasileiro que guiado pela visão de Mercado confirma e atualiza esse projeto genocida a partir das diversas medidas que agridem diretamente os diversos povos amazônicos. Como a medida provisória MP 870/19 que passa para o Ministério da Agricultura a atribuição de identificar, e delimitar e demarcar terras indígenas entregando-as às mãos do agronegócio e grandes latifundiários.

Referências:

CERETTA, Celestino. História da Igreja na Amazônia Central, V. 1. Manaus: Biblos/ Valer, 2008.

DARDOT, P; LAVAL, C. A Nova Razão do Mundo- Ensaio sobre a sociedade neoliberal. São Paulo: Boitempo, 2016.

[1] Cf. DARDOT, P; LAVAL, C. A Nova Razão do Mundo- Ensaio sobre a sociedade neoliberal. São Paulo: Boitempo, 2016.

[2] Cf. CERETTA, Celestino. História da Igreja na Amazônia Central, V. 1. Manaus: Biblos/ Valer, 2008. p 88.

Skin Color
Layout Options
Layout patterns
Boxed layout images
header topbar
header color
header position